Demonstração da Métrica de Schwarzschild

As equações de campo de Einstein carregam toda a essência e todos os princípios por detrás da Relatividade Geral. Curiosamente, em notação tensorial, elas se reduzem a uma única expressão aparentemente muito simplória.

\[G_{\mu\nu} = 8 \pi \, G \, T_{\mu\nu}\]

Entretanto, essa expressão trata na verdade de equações diferenciais de segunda ordem não-lineares e, portanto, resolvê-la é difícil mesmo em sistemas bem simples. O próprio Einstein, após propô-las, disse acreditar que tomaria ainda muito tempo para que alguém conseguisse achar uma solução. Felizmente, ele estava errado: no ano seguinte à sua exibição pública, Karl Schwarzschild publicou a primeira solução das equações de campo enquanto lutava na Primeira Guerra Mundial.

Modelando o problema

Para alcançar esse feito, Schwarzschild assumiu um campo estático e esfericamente simétrico gerado por uma distribuição de massa esfericamente simétrica em repouso. Em outras palavras, imaginou um sistema como um planeta, uma estrela, o Sol na forma de uma esfera perfeita de raio \(R\) em que toda a sua massa \(m\) se encontra igualmente distribuída em um volume \(V\) e parada (sem vibrações nem rotação). Matematicamente, isso se traduz num modelo para a densidade de massa do sistema como uma função \(\rho\) expressa através de

\[\rho(r) = \begin{cases} ^m / _V, & r \leq R \\ \hskip1.3em 0, & r > R \\ \end{cases}\]

Agora, para que vejamos como isso simplifica as equações de campo, é necessário olhar a definição do tensor de energia-momentum \(T^{\mu\nu} = \dfrac{\partial p^\mu}{\partial S_\nu}\) onde \(p^\mu\) é o quadrimomentum e \(S_\nu\) se trata da hipersuperfície espaço-temporal, i.e.,

\[dS_\nu = \displaystyle \prod_{\alpha \neq \nu} dx_\alpha = \dfrac{dx_0 dx_1 dx_2 dx_3}{ |dx^\nu| }\]

Primeiramente, da imposição que a distribuição \(\rho\) está em repouso, o quadrimomentum assume a forma

\[p^\mu = m u^\mu = m (1, \vec{v}) = (m, 0) \Rightarrow p^a = 0 \\ \text{e} \ p^0 = \begin{cases} m, & r \leq R \\ \hskip0.8em 0, & r > R \\ \end{cases}\]

e, portanto, \(T^{a\nu} = \dfrac{\partial p^a}{\partial S_\nu} = 0\). Por outro lado,

\[T^{0b} = \dfrac{\partial p^0}{\partial S_b} = \dfrac{\partial m}{\partial x_0 \partial x_a \partial x_c} = \dfrac{\partial^2}{\partial x_a \partial x_c}\dfrac{\partial m}{\partial t} = 0\]

Assim, o que se chega é que o único valor não nulo do tensor de energia-momentum é

\[T^{00} = \dfrac{\partial p^0}{\partial x_1 \partial x_2 \partial x_3} = \dfrac{\partial p^0}{\partial V} = \dfrac{p^0}{V} = \rho(r)\]

Essa expressão nos leva a dois campos distintos: um na região interna do sistema \(T^{00} = \tfrac{m}{V}\) e outro na região externa \(T^{00} = 0\). Em sua análise, Schwarzschild considerou apenas a segunda região e é isso o que iremos replicar aqui.

Assumindo, então, \(T_{\mu\nu} = T^{\mu\nu} = 0\), chega-se às equações de vácuo

\[G_{\mu\nu} = 0 \Rightarrow R_{\mu\nu} - \tfrac{1}{2} R g_{\mu\nu} = 0\]

É possível, ainda, simplificar mais a equação se calcularmos a contração do tensor de Einstein

\[\begin{aligned} G & = {G^\mu}_\mu \\ & = {R^\mu}_\mu - \tfrac{1}{2} R {g^\mu}_\mu \\ & = R - \tfrac{1}{2} R {\delta^\mu}_\mu \\ & = R - 2 R \\ & = - R \\ & = 0\text{, pois } G_{\mu\nu} = 0 \Rightarrow {G^\mu}_\mu = 0 \\ \end{aligned}\]

Assim, chegamos à forma mais simples para a expressão das equações de campo no vácuo \(R_{\mu\nu} = 0\)

Métrica nas Coordenadas de Schwarzschild

A premissa de campo estático no sistema de Schwarzschild leva a uma métrica independente do tempo e a um elemento de linha invariante frente inversões temporais. Essa segunda condição leva a vínculos na métrica, que podem ser obtidos por meio de

\[\begin{aligned} ds^2(x^0) = ds^2(x'^0 = -x^0) & \Rightarrow g_{\mu\nu}dx^\mu dx^\nu = g_{\mu\nu}dx'^\mu dx'^\nu \\ & \Rightarrow g_{00}dx^0dx^0 + g_{01}dx^0dx^1 + \dots = g_{00}dx^0dx^0 - g_{01}dx^0dx^1 + \dotsm \\ & \Rightarrow g_{a0} = g_{0a} = 0 \\ \end{aligned}\]

Além disso, Schwarzschild assumiu um campo esfericamente simétrico, o que significa que, em coordenadas esféricas \((x^\mu) = (t, r, \theta, \varphi)\), a métrica precisa ser diagonal \(g_{ij} = 0 \Leftrightarrow i \neq j\).

Logo, temos que

\[\begin{cases} g_{\mu\nu,0} = 0 \\ g_{a0} = g_{0a} = 0 \\ g_{ij} = 0 \Leftrightarrow i \neq j \\ \end{cases}\]

As condições acima levam a um Ansatz componentes da métrica covariante em coordenadas esféricas

\[(g_{\mu\nu}) = \left(\begin{matrix} -e^{2\tau} & 0 & 0 & 0 \\ 0 & e^{2\lambda} & 0 & 0 \\ 0 & 0 & r^2 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & r^2 sen^2 \theta \end{matrix}\right)\]

onde \(\tau = \tau(r) \text{ e } \lambda = \lambda(r)\)

Obtendo as conexões da métrica

Então, o que resta agora é descobrir como são as funções \(\tau \text{ e } \lambda\). Para tal, utilizaremos a equação das geodésicas

\[\ddot{x}^\alpha + \Gamma^\alpha_{\mu\nu}\dot{x}^\mu\dot{x}^\nu = 0\]

para calcular as conexões \(\Gamma^\alpha_{\mu\nu}\) da variedade geométrica do espaço-tempo, pois devemos utilizar as equações de campo de vácuo para determinar a métrica.

Pelo método das geodésicas, começamos computando o quadrado da lagrangiana \(\mathcal{L}\), dado por

\[\mathcal{L}^2 = g_{\mu\nu} \dot{x}^\mu \dot{x}^\nu \Rightarrow \mathcal{L}^2 = -e^{2\tau}\dot{t}^2 + e^{2\lambda}\dot{r}^2 + r^2\dot{\theta}^2 + r^2sen^2\theta\dot{\varphi}^2\]

onde \(\dot{x}^\alpha = \dfrac{dx^\alpha}{d\lambda}\), em que \(\lambda\) é um parâmetro qualquer.

Em seguida, por meio da equação de Euler-Lagrange

\(\dfrac{d}{d\lambda}\dfrac{\partial\mathcal{L}^2}{\partial \dot{x}^\alpha} - \dfrac{\partial\mathcal{L}^2}{\partial x^\alpha} = 0,\) obtêm-se o valor das conexões

\[\begin{aligned} (\Gamma^t_{\mu\nu}) &= \left(\begin{matrix} 0 & \tau' & 0 & 0 \\ \tau' & 0 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 0 \end{matrix}\right) \\ (\Gamma^r_{\mu\nu}) &= \left(\begin{matrix} \tau'e^{(2\tau - 2\lambda)} & 0 & 0 & 0 \\ 0 & \lambda' & 0 & 0 \\ 0 & 0 & -r e^{-2\lambda} & 0 \\ 0 & 0 & 0 & -r e^{-2\lambda} sen^2\theta \end{matrix}\right) \\ (\Gamma^\theta_{\mu\nu}) &= \left(\begin{matrix} 0 & 0 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & r^{-1} & 0 \\ 0 & r^{-1} & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & - \tfrac{1}{2} sen 2 \theta \end{matrix}\right) \\ (\Gamma^\varphi_{\mu\nu}) &= \left(\begin{matrix} 0 & 0 & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & r^{-1} \\ 0 & 0 & 0 & cotg \, \theta \\ 0 & r^{-1} & cotg \, \theta & 0 \end{matrix}\right) \end{aligned}\]

Calculando o tensor de Ricci

De posse das conexões e da equação de campo no vácuo \(R_{\mu\nu} = 0\), devemos apenas calcular o tensor de Ricci, que se expressa como

\[R_{\mu\nu} = {R^\alpha}_{\mu\alpha\nu} = \Gamma^\alpha_{\mu\nu,\alpha} + \Gamma^\beta_{\mu\nu} \Gamma^\alpha_{\alpha\beta} - \Gamma^\alpha_{\alpha\mu,\nu} - \Gamma^\beta_{\alpha\mu} \Gamma^\alpha_{\beta\nu}\]

Assim,

\[\begin{aligned} t: R_{tt} & = \Gamma^\alpha_{tt,\alpha} + \Gamma^r_{tt} \Gamma^\alpha_{\alpha r} - \Gamma^\alpha_{\alpha t, t} - \Gamma^\beta_{\alpha t} \Gamma^\alpha_{\beta t} \\ & = \Gamma^r_{tt,r} \Gamma^r_{tt} \Gamma^\alpha_{\alpha r} - \Gamma^r_{tt} \Gamma^t_{rt} - \Gamma^t_{tr} \Gamma^r_{tt} \\ & = (\tau'' - \lambda' \tau' + \tau'^2 + 2\tfrac{\tau'}{r}) e^{(2\tau - 2\lambda)} \\ r: R_{rr} & = \Gamma^r_{rr,r} + \Gamma^r_{rr} \Gamma^\alpha_{\alpha r} - \Gamma^\alpha_{\alpha r, r} - \Gamma^\beta_{\alpha r} \Gamma^\alpha_{\beta r} \\ & = \Gamma^r_{rr,r} \Gamma^r_{rr} (\Gamma^r_{rr} + \Gamma^t_{rt} + \Gamma^\theta_{rt} + \Gamma^\varphi_{r\varphi}) - \Gamma^\alpha_{\alpha r, r} - ({\Gamma^r_{rr}}^2 + {\Gamma^t_{rt}}^2 + {\Gamma^\theta_{r\theta}}^2 + {\Gamma^\varphi_{r\varphi}}^2) \\ & = \lambda'\tau' -\tau'' -\tau'^2 + 2 \tfrac{\lambda'}{r} \\ \theta: R_{\theta\theta} & = \Gamma^\alpha_{\theta\theta,\alpha} + \Gamma^\beta_{\theta\theta} \Gamma^\alpha_{\alpha\beta} - \Gamma^\alpha_{\alpha\theta, \theta} - \Gamma^\beta_{\alpha\theta} \Gamma^\alpha_{\beta\theta} \\ & = \Gamma^r_{\theta\theta,r} \Gamma^r_{\theta\theta} (\Gamma^r_{rr} + \Gamma^t_{rt} + \Gamma^\theta_{rt} + \Gamma^\varphi_{r\varphi}) - \Gamma^\varphi_{\varphi\theta,\theta} - 2\Gamma^r_{\theta\theta}\Gamma^\theta_{r\theta} - \Gamma^\varphi_{\theta\varphi}\Gamma^\varphi_{\varphi\theta} \\ & = 1 - [1 + r(\tau' - \lambda')]e^{-2\lambda} \\ \varphi: R_{\varphi\varphi} & = \Gamma^\alpha_{\varphi\varphi,\alpha} + \Gamma^\beta_{\varphi\varphi} \Gamma^\alpha_{\alpha\beta} - \Gamma^\alpha_{\alpha\varphi, \varphi} - \Gamma^\beta_{\alpha\varphi} \Gamma^\alpha_{\beta\varphi} \\ & = \Gamma^r_{\varphi\varphi,r} + \Gamma^\theta_{\varphi\varphi,\theta} + \Gamma^r_{\varphi\varphi} (\Gamma^r_{rr} + \Gamma^\theta_{r\theta} + \Gamma^t_{rt}) - \Gamma^r_{\varphi\varphi}\Gamma^\varphi_{r\varphi} - \Gamma^\theta_{\varphi\varphi}\Gamma^\varphi_{\theta\varphi} \\ & = R_{\theta\theta} sen^2 \theta \\ \mu \neq \nu: R_{\mu\nu} & = 0 \end{aligned}\]

Chegamos, finalmente, ao sistema de equações diferenciais que temos que resolver

\[\begin{cases} (\tau'' - \lambda' \tau' + \tau'^2 + 2\tfrac{\tau'}{r}) e^{(2\tau - 2\lambda)} = 0 \\ \lambda'\tau' -\tau'' -\tau'^2 + 2 \tfrac{\lambda'}{r} = 0 \\ 1 - [1 + r(\tau' - \lambda')]e^{-2\lambda} = 0 \\ \end{cases}\]

Resolvendo o sistema

A segunda equação do sistema, \(\lambda’\tau’ -\tau’’ -\tau’^2 + 2 \tfrac{\lambda’}{r} = 0\) pode ser reescrita na forma

\[-\lambda'\tau' +\tau'' +\tau'^2 = 2 \tfrac{\lambda'}{r} \Rightarrow \tau'' - \lambda' \tau' + \tau'^2 = 2 \tfrac{\lambda'}{r}\]

Assim, a primeira equação se torna

\[\begin{aligned} (2 \tfrac{\lambda' + \tau'}{r}) e^{(2\tau - 2\lambda)} = 0 & \Rightarrow \tfrac{\lambda' + \tau'}{r} = 0 \\ & \Rightarrow \lambda' + \tau' = 0 \\ & \Rightarrow \lambda + \tau = cte \\ \end{aligned}\]

Agora, é razoável assumir que, para \(r \gg R\), a métrica se torne plana, i.e.,

\[\begin{aligned} e^{2\tau} \approx e^{2\lambda} \approx 1 & \Rightarrow e^{2\tau + 2\lambda} = 1 \\ & \Rightarrow e^{\tau + \lambda} = 1 \\ & \Rightarrow \tau + \lambda = 0 \\ \end{aligned}\]

Então, como \(\lambda + \tau = cte, \forall r > R\) e \(\lambda + \tau = 0, \forall r \gg R\), temos que

\[\tau + \lambda = 0, \forall r > R\]

Desse modo, a terceira equação do sistema se torna

\[\begin{aligned} 1 - (1 + 2r\tau')e^{2\tau} = 0 & \Rightarrow (1 + 2r\tau')e^{2\tau} = 1 \\ & \Rightarrow (re^{2\tau})' = 1 \\ & \Rightarrow re^{2\tau} = r + C, \, C \in \mathbb{R} \end{aligned}\]

Componentes da métrica e aproximação de campo fraco

De posse do resultado anterior, já é possível calcular cada componente da métrica,

\[\begin{aligned} g_{00} = -e^{2\tau} & = - (1 + \tfrac{C}{r}) \\ g_{11} = e^{2\lambda} & = (1 + \tfrac{C}{r})^{-1} \end{aligned}\]

Contudo, sabemos que, no limite Newtoniano, \(g_{00} = -(1 + 2\Phi)\), onde \(\Phi\) é o potencial gravitacional

\[\Phi = - \tfrac{M}{r}\]

Logo, tiramos que \(C = - 2M\).

Forma final da métrica de Schwarzschild e do elemento de linha

Finalmente, a partir das componentes calculadas, podemos escrever a métrica de Schwarzschild como

\[(g_{\mu\nu}) = \left(\begin{matrix} - (1 - \tfrac{2M}{r}) & 0 & 0 & 0 \\ 0 & (1 - \tfrac{2M}{r})^{-1} & 0 & 0 \\ 0 & 0 & r^2 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & r^2 sen^2 \theta \end{matrix}\right)\]

e o respectivo elemento de linha

\[ds^2 = - (1 - \tfrac{2M}{r}) dt^2 + (1 - \tfrac{2M}{r})^{-1} dr^2 + r^2 (d\theta^2 + sin^2\theta d\varphi^2)\]

Desse modo, está demonstrada a métrica de Schwarzschild para a região externa de um corpo massivo, estático e esfericamente simétrico.